No meio da noite, uma carruagem passa correndo pelas estradas do interior da França. Nela, uma família abastada como qualquer outra está tensa e preocupada, talvez pelos vários perigos que as viagens noturnas guardam no meio daqueles bosques escuros e cheios de saqueadores e “foras-da-lei”. Ao se aproximar de uma vila no nordeste do país, próxima da fronteira da Áustria, foram parados por um funcionário real. Perguntando para os passageiros quem eram e o que queriam, o homem, que parecia o líder da família, indeciso, saiu da carruagem e abriu suas vestes, mostrando um grande brasão da Casa de Bourbon e se revelando ser, nada mais, nada menos, que o rei da França.
Essa escapada hollywoodiana seria provavelmente rejeitada pelos produtores de hoje em dia por ser falsa demais, digna da antiga série MacGyver, mas ela realmente aconteceu, e no pior momento possível (para a família real).
No final dos setecentos, a França era um barril de pólvora. Crises financeira, invernos terríveis que arrasaram as colheitas, uma população miserável que cada dia aumentava nas ruas de Paris, enquanto a realeza vivia afastada no seu Palácio de Versalhes, um mundo de luxo e riquezas inimagináveis para a maioria dos franceses (lembrando que 90% da população do país ficava no campo!).
O palco estava montado para um dos maiores eventos da História, que mudou a forma como pensamos em toda a nossa sociedade atualmente, a Revolução Francesa. Para simplificar, ela começou quando uma classe rica da sociedade francesa, a burguesia, começou a querer cada vez mais ter poder sobre as outras classes, a dos nobres e a da Igreja (o clero). Só que, para a infelicidade geral, essas outras duas não estavam muito afins de ceder, especialmente quando começaram a discutir aumentar os impostos sobre elas. O rei então, Luís XVI, resolveu acabar com as disputas entre essas classes fechando a Assembleia dos Estados Gerais, onde haviam as discussões sobre o aumento ou não desses impostos. Pronto, isso foi o motivo para que a burguesia levantasse todo o povo parisiense e, juntos, eles iniciaram uma revolta contra o governo, contra o poder total do rei (absolutismo) e contra os abusos da Igreja (que controlava várias terras muito férteis na França, enquanto o povo se esforçava para plantar em regiões que não davam praticamente nada).
Aquela fuga cinematográfica que você viu lá em cima ocorreu no meio disso tudo. Quando a burguesia “tomou” o poder na capital, em 1789, ela tirou o rei Luís XVI, a sua rainha, Maria Antonieta, e toda a família real do Palácio de Versalhes e os obrigou a aceitar uma Constituição, um conjunto de leis que diminuía os poderes desse rei e, adivinhe, aumentava os do povo (representado, sempre, pela burguesia). Só que dá para imaginar que Luís XVI não ficou tão feliz assim com essa ideia e, junto com os seus conselheiros, ele começou a planejar uma mega escapada. A ideia era a de levar a família real (afinal, sem ela não havia reino) para um lugar seguro, uma fortaleza monarquista no interior da França (Montmédy) e que ficasse perto da fronteira da Áustria, país que era comandado pelo irmão de Maria Antonieta, José II.
Só que o plano perfeito acabou não sendo tão perfeito assim. As histórias variam sobre como eles foram descobertos, a mais comum é de que Luís XVI se revelou para o guarda, pensando que a lealdade dele fosse o bastante para garantir sua passagem. Outras dizem que o guarda o reconheceu olhando numa moeda que carregava o seu rosto. De qualquer forma, a sorte não estava com os monarquistas naquela noite e o rei e sua família foram presos e mandados de volta a Paris, e a recepção lá não foi das mais amigáveis.
As ideias de República começaram a explodir em todos os lugares, e a situação deles não melhorou quando uma aliança entre os exércitos da Áustria e da Prússia tentou invadir a França para restaurar o poder deles. Derrotados pelos revolucionários, o rei e a rainha foram presos e julgados por traição, acusados de terem conspirado contra a Comuna de Paris. Logo os dois acabariam encontrando o seu fim na mais nova e mortal invenção francesa, a famigerada guilhotina. Com dois rápidos golpes, os franceses mataram os seus líderes escolhidos por Deus em 1793, em praça pública, para todos assistirem e perceberem o que acontece aqueles que fossem contra a Revolução. Dali em diante, o mundo jamais seria o mesmo.
Referências
PERROT, Michelle. Da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
CHARTIER, Roger. Origens Culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Unesp, 2009.
CHAIB, Jorge Azar. A História da Revolução Francesa. Teresina: editora do autor, 2006.
MARIA Antonieta. Direção: Sofia Coppola. Fotografia: Lance Acord. Estados Unidos, França, Japão: Columbia Pictures, 2006. 1 DVD, 123 min. NTSC, color. Título original: Marie Antoinette.